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Luxação acromioclavicular

Paciente do sexo masculino, 29 anos, com dor após trauma direto durante jogo de futebol. Solicitada ressonância magnética (RM) do ombro:


Figura 1 (a-c): Imagens de RM na ponderação DP com supressão de gordura (SG) (acima) e T1 (abaixo) no plano coronal.

 

Figura 2 (a-c): Imagens de RM na ponderação DP SG no transversal.

 

Figura 3 (a-c): Imagens de RM nas ponderações T2 SG (acima) e T2 (abaixo) no plano sagital.

 

Figura 4 (a-c): Imagens de RM na ponderação T2 no plano coronal oblíquo da articulação acromioclavicular.



Descrição dos achados

 

Figura 1 (a-c)’: Imagens de RM na ponderação DP com supressão de gordura (SG) (acima) e T1 (abaixo) no plano coronal mostrando incongruência articular (setas brancas) com indefinição dos ligamentos acromioclaviculres e deslocamento superior da clavícula que apresenta edema ósseo na margem distal (setas amarelas) associado a extensa infiltração líquida periarticular (setas azuis).

 


Figura 2 (a-c)’: Imagens de RM na ponderação DP SG no transversal que tangenciou a clavícula, onde pode se observa o edema ósseo (seta amarela), sendo evidente a extensa infiltração líquida periarticular (setas azuis).

 


Figura 3 (a-c)’: Imagens de RM nas ponderações T2 SG (acima) e T2 (abaixo) no plano sagital mostrando o edema ósseo na margem distal da clavícula (seta amarela), infiltração líquida periarticular e nos planos adiposos entre a clavícula e o acrômio (setas azuis) com rotura das bandas do ligamento coracoclavicular (setas laranjas).

 

Figura 4 (a-c)’: Imagens de RM na ponderação T2 no plano coronal oblíquo da articulação acromioclavicular mostrando melhoro deslocamento superior da clavícula que se encontra acima de mais de 50% da margem articular do acrômio (linha tracejada branca), sendo bem evidente a rotura das bandas do ligamento coracoclavicular (setas laranjas).

 

Para saber como fazer a marcação do plano coronal oblíquo da articulação acromioclavicular e outras sequências adicionais veja a página PROTOCOLOS / OMBRO.






Discussão

 

Estiramento, disjunção (separação) e deslocamento (subluxação e luxação) da articulação acromioclavicular correspondem a cerca de 10% das lesões do ombro, sendo comum em praticantes de esportes de contato e de arremesso, afetando predominantemente homens (relação de 5:1) na segunda década de vida.


A articulação acromioclavicular é uma articulação sinovial plana multiaxial entre a face lateral da clavícula (oval e levemente convexa) e a face medial do acrômio (levemente côncava), com ambas as superfícies articulares recobertas com fibrocartilagem e completamente envolvida por uma cápsula articular fibrosa revestida por membrana sinovial (figura 5) e sustentada pelos ligamentos acromioclaviculares e pelos músculos trapézio superiormente e deltoide anteriormente (figura 6).


Figura 5: Ilustração do ombro visto de frente, mostrando a anatomia da articulação acromioclavicular, formada pelas margens lateral da clavícula e medial do acrômio, recoberta pela cápsula articular que é indissociável dos ligamentos acromioclaviculares.


Figura 6: Peça anatômica do ombro visto de cima (top view) mostrando a relação da articulação acromioclavicular (AC joint) com os músculos deltoide (deltoid) e trapézio (trapezium). Retirado de https://www.jorgechahlamd.com/shoulder/ac-joint-injury-chicago-il/.


A articulação acromioclavicular normal pode ser discretamente incongruente, com a superfície superior da clavícula mais alta que o acrômio (figura 7) e, por não ter suporte muscular inferiormente, sua face capsuloligamentar inferior pode se tornar incompleta com a idade.


Figura 7: Imagem da articulação acromioclavicular no plano coronal na ponderação T2 mostrando os ligamentos acromioclaviculares superior e inferior (setas brancas). Note que o ligamento acromioclavicular inferior é um pouco mais irregular e a margem superior da clavícula encontra-se um pouco acima do acrômio, mas na face articular inferior podemos confirmar que a articulação está congruente.



Em alguns indivíduos onde a congruência é incompleta por variação no formato ósseo podemos encontrar um disco articular fibrocartilaginoso (menisco) na fenda articular, identificado na microscopia, não sendo comumente visto nas imagens de RM (figura 8).

 


Figura 8: Microscopia da articulação acromioclavicular mostrando o disco articular fibrocartilaginoso (setas).

 

A articulação acromioclavicular é reforçada por ligamentos que funcionam como estabilizadores estáticos (figura 9). Os ligamentos acromioclaviculares superior e inferior, indissociáveis da cápsula articular, o ligamento coracoacromial, que tem formato triangular, com a base na porção horizontal lateral do processo coracoide e a inserção na ponta do acrômio e forma junto com o acrômio um arco que impede a subida do úmero e o ligamento coracoclavicular, composto por duas bandas, a trapezoide anterolateralmente com formato trapezoidal e a conoide posteromedialmente com formato cônico e mais vertical, que se fusionam na inserção no processo coracoide da escápula e se inserem separadamente no terço distal da clavícula, sendo o estabilizador estático mais importante. A banda conoide é contígua com o ligamento transverso da escápula. Esse arranjo do ligamento coracoclavicular cria um espaço triangular ou em “V” orientado posterior e superiormente e com tecido adiposo de permeio que facilita sua identificação nas imagens de RM sem supressão de gordura (figura 9).


Figura 9: Ilustração dos ligamentos estabilizadores da articulação acromioclavicular: os ligamentos acromioclaviculares, indissociáveis da cápsula articular acromioclavicular, e os ligamentos coracoacromial e coracoclavicular, que possui as bandas trapezoide lateralmente e conoide medialmente.


Figura 10 (a-b): Imagens de RM de outro paciente na ponderação T2 nos planos coronal oblíquo da articulação acromioclavicular (10a) e sagital (10b) mostrando o ligamento coracoclavicular com suas bandas trapezoide (setas laranjas) e conoide (seta verde).


A articulação acromioclavicular permite que a cintura peitoral acompanhe os movimentos do ombro, principalmente depois que a articulação esternoclavicular atingiu sua amplitude máxima de movimento, e permite a transmissão das forças do membro superior para a clavícula.

 

Uma vez que nenhum músculo age diretamente na articulação acromioclavicular, seus movimentos são completamente passivos, dependendo dos movimentos da escápula e das articulações escapulotorácica e glenoumeral. Por ser uma articulação multiaxial é possível haver mobilidade de rotação axial (ao longo do eixo transverso), elevação-depressão (ao longo do eixo sagital) e prostração-retração (ao longo do eixo vertical) do acrômio (figura 11).


Figura 11: Ilustração dos movimentos da articulação acromioclavicular. Modificado de kenhub.com.


O mecanismo do trauma da disjunção acromioclavicular costuma ser o impacto direto sobre o acrômio com o ombro em adução, geralmente em esportes de contato, como futebol e lutas, e, menos frequentemente, na queda com o braço estendido.

 

A classificação de Tossy é uma classificação mais simples da separação (disjunção) acromioclavicular, que considera 3 graus (quadro 1).


Quadro 1: Classificação de Tossy da disjunção acromioclavicular.


Porém, a classificação mais estabelecida na gradação da disjunção acromioclavicular é a classificação de Rockwood de 1998.


Quadro 2: Classificação de Rockwood da luxação acromioclavicular.


Para mais detalhes veja os esquemas representando os diversos tipos de disjunção acromioclavicular segundo Rockwood na página CLASSIFICAÇÕES / OMBRO.





A classificação de Rockwood serve de referência para a escolha do tratamento, uma vez que nos tipos I e II o tratamento é conservador e nos tipos IV, V e VI costuma ser necessária a reconstrução cirúrgica. No tipo III, que vimos no caso deste mês, o mais comum, representando cerca de % dos casos, a conduta varia dependendo do perfil do paciente.

 

As radiografias simples são a base na avaliação da articulação acromioclavicular. A incidência específica para a avaliação da articulação acromioclavicular é realizada na direção anteroposterior com angulação cefálica do raio de 10 a 15° que evita a sobreposição das estruturas, conhecida como incidência de Zanca (figura 12). É recomendada a realização do estudo do ombro contralateral para comparação permitindo a detecção de alterações mais sutis.


Figura 12 (a-b): Radiografia de outro paciente com articulação acromioclavicular normal na incidência de Zanca. Note que a margem superior da clavícula se encontra um pouco superior ao acrômio, mas não a superfície inferior.

 

Na disjunção acromioclavicular tipo I de Rockwood as radiografias são normais e os achados na RM costumam ser bem sutis, como leve edema pericapsular, mas como o tratamento é conservador, não chega a ser um problema diagnóstico.

 

No tipo II, há rotura dos ligamentos acromioclaviculares e apenas estiramento ou lesão parcial do ligamento coracoclavicular (nesse caso geralmente a banda conoide costuma estar mais acometida), mas essa distinção entre estiramento x lesão parcial não é significativa já que não altera a conduta, também não sendo um problema diagnóstico. A distância acromioclavicular pode ser superior a 7 mm e pode haver discreta elevação da clavícula, mas não superior a 25% da fenda articular.


Para maiores detalhes das medidas normais da articulação acromioclavicular veja a página NOTAS & MEDIDAS / OMBRO.





Já nos graus mais avançados, como o tipo V, o diagnóstico é feito pelo exame físico, já que a luxação é óbvia (figura 13). Nesses casos apenas as radiografias (ou tomografia computadorizada em casos duvidosos) podem ser solicitadas apenas para afastar a possibilidade de fraturas associadas, não havendo necessidade de realização de ressonância magnética, já que com certeza houve rotura ligamentar.


Figura 13: Imagem de outro paciente com luxação acromioclavicular tipo V de Rockwood, visível ao exame físico (seta).


A RM é útil na avaliação ligamentar e no planejamento cirúrgico e para confirmação diagnóstica nos casos duvidosos, especialmente na diferenciação entre os tipos II e III, já que o tipo III pode necessitar de tratamento cirúrgico, por isso é importante nos atentarmos ao protocolo e a técnica do exame porque descrever apenas a presença de edema periarticular e no espaço coracoclavicular não permite a distinção adequada entre os dois tipos, sendo  fundamental nesses casos informar se há rotura do ligamento coracoclavicular ou apenas estiramento.  A realização de sequências na ponderação DP ou T2 sem supressão de gordura no plano coronal oblíquo da articulação acromioclavicular (figura 14) e no plano sagital de rotina do ombro incluindo o “Y” da escápula (figura 15) faz muita diferença no diagnóstico da disjunção tipo III ligamento coracoclavicular.



Figura 14 (a-b): Imagens de RM do paciente do caso deste mês mostrando a marcação do plano coronal oblíquo da articulação acromioclavicular que usa como referência uma linha (em amarelo) que passa pela ponta do processo coracoide (PC) e o tubérculo menor do úmero (TMe) no plano transversal (13a). O resultado final é uma imagem coronal (13b) que mostra bem a incongruência articular acromioclavicular (seta branca) e a rotura das bandas trapezoide (seta laranja) e conoide (seta verde) do ligamento coracoclavicular, que ficam bem vistos pelo contraste com a gordura ao redor nas sequências sem supressão de gordura.


Figura 15 (a-b): Imagens de RM do paciente do caso deste mês mostrando no plano coronal (14b) o último corte obtido do plano sagital (linha amarela), onde vemos o “Y da escápula” (14b). Ao incluir o “Y” da escápula não só garantimos a inclusão dos músculos do manguito rotador, mas também o ligamento coracoclavicular (seta), que fica mais lateral ao plano do “Y”. Se o último corte parasse no processo coracoide (PC) as bandas do ligamento coracoclavicular não seriam incluídas.

 

Na luxação tipo III pode também haver lesão por estiramento nos músculos trapézio e deltoide próximo à clavícula, com destacamento periosteal em relação às suas inserções em alguns casos.


Fraturas no processo coracoide mediais ao ligamento coracoclavicular em associação com rotura dos ligamentos acromioclaviculares equivalem à disjunção tipo III de Rockwood, assim como as fraturas de Salter-Harris tipo I ou II na placa de crescimento distal da clavícula na criança, situação em que a metáfise distal da clavícula é deslocada superiormente, há rotura do ligamento coracoclavicular, mas a articulação acromioclavicular permanece intacta.


Para saber os tipos de fratura de Salter-Harris veja a página CLASSIFICAÇÕES / OUTROS.





As imagens seccionais são fundamentais na identificação do tipo IV (luxação posterior) que é bem identificada nas imagens de tomografia computadorizada ou de ressonância magnética no plano transversal, já que nas radiografias de rotina costuma ser muito difícil e o tratamento da luxação tipo IV é cirúrgico (figura 16). 



Figura 16 (a-d): Imagens de paciente com luxação posterior da clavícula (disjunção tipo IV de Rockwood) que não é evidente na radiografia (13a), onde se observa apenas pequeno aumento do espaço articular acromioclavicular (seta branca fina). Na reformatação tomográfica 3D em visão superior (13b) fica bem evidente o deslocamento posterior da clavícula (seta vermelha). O paciente foi submetido a correção cirúrgica e na radiografia pós-operatória (13c) não mais se observa o aumento do espaço acromioclavicular e pode ser identificados o material metálico de fixação da reconstrução ligamentar (setas amarelas). Na reformatação tomográfica 3D em visão superior (13d) fica bem evidente a redução anatômica da luxação, com a articulação acromioclavicular congruente (seta branca). Modificado de Eur J Med Res. 2013 Nov 13;18(1):42.

 

A luxação acromioclavicular tipo VI de Rockwood (inferior) é muito rara e tem mecanismo distinto dos demais tipos, geralmente forte golpe direto na porção superior da clavícula com o úmero em abdução, estando frequentemente associada a lesão na inserção dos músculos trapézio e deltoide, fraturas na clavícula e arcos costais e lesão do plexo braquial.



Leitura sugerida

 

Berthold DP, Muench LN, Dyrna F, Mazzocca AD, Garvin P, Voss A, Scheiderer B, Siebenlist S, Imhoff AB, Beitzel K. Current concepts in acromioclavicular joint (AC) instability - a proposed treatment algorithm for acute and chronic AC-joint surgery. BMC Musculoskelet Disord. 2022 Dec 9;23(1):1078. doi: 10.1186/s12891-022-05935-0. PMID: 36494652; PMCID: PMC9733089.

 

Baren JP, Rowbotham E, Robinson P. Acromioclavicular Joint Injury and Repair. Semin Musculoskelet Radiol. 2022 Oct;26(5):597-610. doi: 10.1055/s-0042-1750726. Epub 2022 Dec 19. PMID: 36535595.

 

Boström Windhamre H, von Heideken J, Une-Larsson V, Ekström W, Ekelund A. No difference in clinical outcome at 2-year follow-up in patients with type III and V acromioclavicular joint dislocation treated with hook plate or physiotherapy: a randomized controlled trial. J Shoulder Elbow Surg. 2022 Jun;31(6):1122-1136. doi: 10.1016/j.jse.2021.12.003. Epub 2022 Jan 8. PMID: 35007749.

 

Yancey JR, Szczepanik M. Acromioclavicular Joint Dislocation: Surgical vs. Conservative Interventions. Am Fam Physician. 2021 Jul 1;104(1):28-29. PMID: 34264594.

 

Flores D, Goes P, Gómez C, Umpire D, Pathria M. Imaging of the Acromioclavicular Joint: Anatomy, Function, Pathologic Features, and Treatment. Radiographics. 2020;40(5):1355-82. doi:10.1148/rg.2020200039. 

 

Li H, Wang C, Wang J, Wu K, Hang D. Restoration of horizontal stability in complete acromioclavicular joint separations: surgical technique and preliminary results. Eur J Med Res. 2013 Nov 13;18(1):42. doi: 10.1186/2047-783X-18-42. PMID: 24225119; PMCID: PMC3835421.

 

Alyas F, Curtis M, Speed C, Saifuddin A, Connell D. MR imaging appearances of acromioclavicular joint dislocation. Radiographics. 2008 Mar-Apr;28(2):463-79; quiz 619. doi: 10.1148/rg.282075714. PMID: 18349451.


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