História clínica
Homem, 44 anos, com dor persistente na porção ulnar do punho. Solicitados ressonância magnética e tomografia computadorizada do punho:
Figura 1 (a-c): Imagens consecutivas de ressonância magnética (RM) na ponderação DP com supressão de gordura (SG) no plano coronal.
Figura 2: Imagem de RM na ponderação DP SG no plano sagital.
Figura 3 (a-b): Imagem de RM no plano transversal nas ponderações DP SG (3a) e T1 (3b).
Figura 4 (a-c): Reconstruções multiplanares de aquisição tomográfica com a técnica MPR nos planos coronal (4a), sagital (4b) e transversal (4c).
Descrição dos achados
Figura 1 (a-c)’: Imagens consecutivas de RM na ponderação DP com supressão de gordura (SG) no plano coronal mostrando edema no osso hamato (setas amarelas), mais evidente na imagem mais volar (1c’).
Figura 2’: Imagem de RM na ponderação DP SG no plano sagital mostrando o edema no corpo (seta amarela) e no gancho do hamato (seta branca), com imagem sugestiva de traço de fratura na base do gancho do hamato (seta vermelha).
Figura 3 (a-b)’: Imagem de RM no plano transversal nas ponderações DP SG (3a’) e T1 (3b’) mostrando o edema no corpo (seta amarela) e no gancho do hamato (seta branca) na ponderação DP SG, com o traço de fratura na base do gancho do hamato (seta vermelha) melhor identificado na ponderação T1.
Figura 4 (a-c)’: Reconstruções multiplanares de aquisição tomográfica com a técnica MPR nos planos coronal (4a’), sagital (4b’) e transversal (4c’), onde o traço de fratura e o afastamento entre os fragmentos (setas vermelhas) são bem identificados nos planos sagital e transversal.
Discussão
As fraturas do hamato correspondem a 2 a 4% das fraturas do carpo e são divididas nas fraturas do corpo e do gancho (a mais comum). As fraturas do corpo do hamato são mais raras, sendo o mecanismo mais frequente trauma com vetor de força axial (como queda, soco, acidente automobilístico e lesões por compressão), onde o eixo da força é paralelo às diáfises dos metacarpos, sendo frequente a associação com fraturas nas bases do 4o e 5o metacarpos ou luxação carpometacarpiana.
Tipos de fratura do corpo do hamato:
– Coronal, mais comum, sendo frequente a associação com subluxação carpometacarpiana (geralmente deslocamento dorsal do 4o e/ou 5o metacarpos) e fratura nas bases do 4o e/ou 5o metacarpos.
– Transversal, rara, geralmente relacionada a lesão por compressão.
As fraturas do gancho (ou hâmulo) do hamato geralmente decorrem de esportes que envolvem uso de raquetes e tacos (como golfe, tênis, beisebol), conforme ilustrado na figura 5, queda com a mão estendida ou microtraumas de repetição, como no ciclismo (em especial “mountain bike”).
Figura 5: Representação do mecanismo de fratura do gancho do hamato nos esportes que usam raquetes ou tacos (Dr. Nabil Ebraheim).
Tipos de fratura do gancho do hamato (figura 6):
I – ponta do gancho
II – centro (meio) do gancho (maior risco de não-união)
III – base do gancho (mais de 75% dos casos)
Figura 6: Tipos de fratura do gancho do hamato em relação à localização: na ponta, centro ou base do gancho.
Frequentemente as fraturas do hamato não são diagnosticadas, podendo evoluir com dor persistente e não-união (sintomática ou assintomática, identificada como achado incidental).
O diagnóstico radiográfico costuma ser difícil nas incidências de rotina, sendo indicada a incidência do túnel do carpo (figura 7) que dissocia o gancho do hamato, assim como o pisiforme.
Figura 7: Radiografia na incidência do túnel do carpo mostrando bem o gancho do hamato (seta amarela) adjacente ao pisiforme (seta branca).
A tomografia computadorizada (TC) é o método de escolha para o diagnóstico das fraturas do hamato (acurácia de 97,2%).
Recentemente foi descrito que associação entre fraturas do escafoide e do hamato são mais frequentes do que se imaginava, provavelmente porque, embora seja comum a solicitação de incidência para avaliação do escafoide, não são feitas rotineiramente incidências especificas para ao hamato, ainda mais quando já foi diagnosticada a fratura do escafoide. Com a maior utilização de TC e RM, foi observado que pode haver fratura do hamato em cerca de 10% dos casos de fratura do escafoide, informação relevante porque pode alterar o tempo de imobilização.
Diagnósticos diferenciais:
– Centro de ossificação não fusionado (os hamuli próprio); quando bilateral facilita o diagnóstico
– Hamato bipartido (muito raro; < 1% da população)
– Fratura do pisiforme
– Coalizão entre o pisiforme e o hamato (muito rara; geralmente assintomática, mas pode cursar com rotura do tendão flexor do 5o dedo, neuropatia ulnar ou do mediano).
Se o paciente não apresenta dor na porção ulnar do punho não é relevante a distinção entre sequela de fratura não consolidada e variantes anatômicas. Mas é importante informar quando o osso hamato tem aspecto bipartido no pré-operatório da síndrome do túnel do carpo para evitar iatrogenia no nervo ulnar.
A ressonância magnética é útil na detecção de outras lesões associadas e complicações, como lesão do nervo ulnar e rotura do tendão flexor do 5o dedo. Para identificação dessas e outras alterações é necessária a compreensão da anatomia do canal de Guyon (figuras 8 e 9), formado por:
Teto – ligamento carpal palmar e músculo palmar curto
Assoalho – musculatura hipotenar e retináculo dos flexores profundos (conhecido também como ligamento carpal transverso)
Margem radial (lateral) – gancho do hamato
Margem ulnar (medial) – pisiforme e ligamento pisohamato
Figura 8: Reconstrução tomográfica com a técnica MIP mostrando a região do canal de Guyon (asterisco vermelho) entre os ossos hamato (H) e pisiforme (P).
Figura 9: Imagens consecutivas de RM na ponderação T1 no plano transversal, mostrando a anatomia do canal de Guyon (seta vermelha), espaço entre os ossos hamato (H) e pisiforme (P), que contém gordura e o nervo ulnar (setas azuis), que no seu trajeto mais distal encontra-se adjacente ao gancho do hamato (G). A artéria e a veia ulnar (em destaque no círculo amarelo) se situam em situação volar ao nervo ulnar. Pir – piramidal.
O nervo ulnar e o tendão flexor do 5o dedo são estruturas próximas ao gancho do hamato, sendo susceptíveis a lesões quando há fratura (figura 10).
Pontos principais neste caso:
- Fraturas do corpo e do gancho do hamato têm mecanismos de trauma diferentes, esta última frequentemente associada a esportes.
- Comum fratura do hamato ser oculta ao RX, necessitando de incidências especiais, sendo a TC o método de escolha. Importante sempre avaliar cada estrutura nos 3 planos.
- Sempre procurar ativamente fratura do hamato nos casos de com fratura do escafoide, pois pode ter associação em 10% dos casos e altera a conduta.
- Importante informar quando o osso hamato tem aspecto bipartido no pré-operatório da síndrome do túnel do carpo para evitar iatrogenias.
- Procurar ativamente sinais de lesão do nervo ulnar e rotura do tendão flexor do 5o dedo.
LEITURA SUGERIDA
Concomitant hook of hamate fractures in patients with scaphoid fracture: more common than you might think. Mandegaran R, Gidwani S, Zavareh A. Skeletal Radiol 2018; 47: 505–510. doi.org/10.1007/s00256-017-2814-3.
Hook of the Hamate: The Spectrum of Often Missed Pathologic Findings. Davis DL. AJR 2017 November; 209(5): 1110–1118. doi:10.2214/AJR.17.18043.
Subtle radiographic signs of hamate body fracture: a diagnosis not to miss in the emergency department. Cecava ND, Finn MF, Mansfield LT. Emerg Radiol (2017) 24: 689. doi.org/10.1007/s10140-017-1523-5.
Pulling Harder than the Hamate Tolerates: Evaluation of Hamate Injuries in Rock Climbing and Bouldering. Lutter C, Schweizer A, Hochholzer T, Bayer T, Schöffl V.Wilderness Environ Med. 2016 Dec;27(4):492-499. doi: 10.1016/j.wem.2016.09.003.
Carpal Bone Fractures. Papp S. Orthopedic Clinics of North America 2007; 38(2):251–60. doi:10.1016/j.hcl.2009.08.014.