Patrícia Martins e Souza - Outubro de 2024
Homem de 66 anos com nodulação dolorosa na região palmar e progressiva deformidade em flexão do 5º dedo. Solicitada ressonância magnética (RM) da mão.
Figura 1 (a-c): Imagens consecutivas no plano sagital na ponderação T2 do 5º dedo.
Figura 2: Imagens consecutivas da mão no plano transversal na ponderação T2.
Figura 3 (a-b): Imagens consecutivas da mão no plano transversal nas ponderações T1 (3a) e DP com supressão de gordura (3b).
Descrição dos achados:
Figura 1 (a-c)': Imagens consecutivas no plano sagital na ponderação T2 do 5º dedo mostrando cordão espesso de baixo sinal no subcutâneo palmar (setas) desde o nível do metacarpo (MC) até quase a articulação interfalangiana proximal. PP - falange proximal, FM - falange média, FD - falange distal.
Figura 2': Imagens consecutivas da mão no plano transversal na ponderação T2 mostrando o espessamento alongado de aspecto nodular com baixo sinal no eixo axial no subcutâneo palmar no nível do 5º metacarpo e da falange proximal do 5º dedo (setas).
Figura 3 (a-b)': Imagens consecutivas da mão no plano transversal mostrando que o espessamento da aponeurose palmar (setas) apresenta sinal intermediário na ponderação T1 (3a') e sinal heterogêneo na ponderação DP com supressão de gordura (3b').
Discussão
A doença de Dupuytren (ou contratura de Dupuytren) é uma desordem fibroproliferativa crônica benigna da fáscia / aponeurose palmar caracterizada pela formação de nódulos e bandas fibróticas alongadas, como nesse caso.
Isso ocorre devido ao excessivo crescimento de fibroblastos e miofibroblastos hiperreativos na fáscia / aponeurose palmar das mãos e dedos que produzem um tipo específico de colágeno, denominado colágeno tipo III. Entretanto, a razão por trás dessa atividade fibroblástica excessiva apresentada pelos pacientes com a doença de Dupuytren ainda permanece desconhecida, mas dados sugerem ter componentes genéticos e imunológicos envolvidos, com forte associação com diabetes mellitus e também relação com alcoolismo, fumo, trabalhos manuais e infecção pelo HIV. Embora tenha natureza benigna, a doença de Dupuytren apresenta alta morbidade devido à limitação funcional apresentada pelos pacientes para as atividades cotidianas.
A fáscia palmar consiste em uma série de bandas no tecido subcutâneo nas eminências tenar e hipotenar e nos dedos, com a função principal de estabilizar a pele durante o aperto da mão (“grasping”). A fáscia palmar é mais espessa na região central, onde forma a aponeurose palmar, e nos dedos, onde forma as bainhas fibrosas conhecidas como polias. Por isso, encontramos a doença de Dupuytren descrita tanto como espessamento da aponeurose quanto da fáscia palmar.
A aponeurose palmar é uma estrutura altamente especializada, em formato de um triângulo invertido, com o ápice começando na margem distal do túnel do carpo e se originando do retináculo flexor, ligamento carpal transverso e do tendão palmar longo. No caso de ausência do tendão palmar longo, o ápice da aponeurose palmar consiste na fáscia dos músculos das regiões tenar e hipotenar. A base é o limite distal do retináculo flexor, onde se bifurca em 4 bandas pré-tendíneas paralelas aos metacarpos terminando aproximadamente no nível das articulações metacarpofalangianas em situação volar aos tendões flexores, conectando-se aos ligamento palmar transverso e os ligamentos natatórios entre os dedos. Os ligamentos natatórios, também conhecidos como ligamento metacarpal transverso superficial) são o principal componente transverso da fáscia palmar, orientados perpendicularmente ao aparato flexor entre os dedos, no nível das cabeças dos metacarpos (figura 4).
Figura 4: Representação esquemática da aponeurose palmar (*) e suas relações anatômicas.
A aponeurose palmar tem bem pouca mobilidade e, além de funcionar como estabilizadora recobrindo as regiões tenar e hipotenar melhorando o aperto da mão, é também uma camada protetiva das estruturas miotendíneas e neurovasculares subjacentes, especialmente os tendões flexores longos dos dedos, a porção terminal do nervo mediano e o ramo superficial do nervo ulnar.
A prevalência mundial doença de Dupuytren é estimada em cerca de 8%, porém há predominância regional e racial, sendo mais frequente no norte da Europa e em caucasianos, e menos frequente em asiáticos e africanos. É mais comum em homens (relação homem:mulher de 4 a 5:1) com mais de 40 anos, com a incidência aumentando com a idade, sobretudo após 60 a 70 anos, sendo mais rara em indivíduos com menos de 50 anos.
O sintoma inicial costuma ser o surgimento insidioso de nodulação superficial endurecida e indolor na face volar da mão. Posteriormente o nódulo progride para uma banda fibrosa que cresce gradualmente em relação com bainha fibrosa do tendão flexor em correspondência. À medida que a doença progride a banda espessa mais e as fibras de colágeno contraem, causando contratura lenta do dedo que pode se tornar irreversível (figura 5).
Figura 5 (a-b): Imagens de pacientes distintos com doença de Dupuytren mostrando o espessamento nodular e em forma de cordão (setas pretas) da aponeurose palmar no 4º raio (5a) e a deformidade permanente em flexão das articulações metacarpofalangiana e interfalangiana proximal do 4º dedo (setas vermelhas), o que dá o aspecto de contratura (5b).
O local de acometimento mais comum é a aponeurose da porção ulnar da mão em relação ao 4º e 5º dedos, tipicamente no nível das articulações metacarpofalangianas e interfalangianas proximais. O acometimento do dedo médio é menos frequente, sendo extremamente raro o acometimento do polegar e do dedo indicador. A ordem de acometimento dos dedos na doença de Dupuytren é 4º - 5º - 3º - 1º - 2º.
Em cerca de 70% dos casos o acometimento é bilateral, porém o início da apresentação e a gravidade da contratura costumam ser diferentes em cada mão.
A doença de Dupuytren se desenvolve em 3 estágios:
Proliferativo – fase de alta celularidade, com muita mitose e aumento da vascularização, quando ocorre o desenvolvimento do espessamento nodular e em cordão
Involucional – fase em que os nódulos começam a contrair. Ainda é uma fase hipercelular, com predomínio dos miofibroblastos, mas sem as mitoses vistas na fase proliferativa e com maior produção de colágeno tipo III, formando uma densa rede fibrocelular.
Residual ou fibrótica – há redução dos miofibroblastos, com os cordões fibrosos formados predominantemente por colágeno tipo I e III e fibrócitos.
Na ultrassonografia os nódulos / cordões na fase inicial (proliferativa) costumam ser hipoecoicos em relação aos tendões e nas fases mais tardias (residual) os nódulos / cordões se tornam isoecoicos a hipoecoicos quando comparados com os tendões.
Na ressonância magnética a doença de Dupuytren se manifesta como espessamento nodular ou em cordão da aponeurose plantar com sinal isointenso e mais heterogêneo em T1 e T2 na fase mais hipercelular e com baixo sinal em todas as sequências nas fases com maior fibrose.
Os cordões fibróticos podem ser identificados tanto ao longo das estruturas normais da fáscia / aponeurose palmar como separadamente.
Foram descritos diversos padrões para os cordões espessados na contratura de Dupuytren, cuja importância clínica reside no risco de contratura em flexão e envolvimento das bandas neurovasculares, o que afeta o prognóstico e a abordagem cirúrgica.
Vale ressaltar que o termo “cordão” se refere ao espessamento anormal da fáscia / aponeurose palmar, devendo ser utilizados os termos bandas, ligamentos, folhetos, fáscia e aponeurose para as estruturas normais. Além disso, alguns cordões patológicos receberam o nome da estrutura normal; dessa forma, “cordão pré-tendíneo” seria o espessamento anormal da banda pré-tendínea, e não sinônimo. Já “cordão espiral” pode acometer diversas estruturas da fáscia / aponeurose palmar e “cordão central” se refere à sua localização. As formas de apresentação mais frequentes seriam (figura 6):
Pré-tendínea – a mais comum; localizada superficialmente e separadamente à bainha dos tendões flexores, volar aos metacarpos e terminando aproximadamente no ligamento natatório. Esse tipo de acometimento pode causar contratura em flexão da articulação metacarpofalangiana, mas não afetaria a articulação interfalangiana proximal e nem o feixe neurovascular.
Central – acomete os dedos, no subcutâneo volar às falanges e articulações interfalangianas proximais, distalmente às terminações normais das bandas pré-tendíneas. Esse tipo de acometimento pode causar contratura em flexão da articulação interfalangiana proximal e tipicamente não acomete o feixe neurovascular, ficando superficial aos nervos e vasos.
Em alguns casos cordões pré-tendíneos podem ser contíguos com cordões centrais, levando a contratura em flexão fixa das articulações metacarpofalangianas e interfalangianas proximais.
Espiral – ocorre ao longo da superfície dorsal das bandas pré-tendíneas próximo às articulações metacarpofalangianas, estendendo-se profundamente nas partes moles distalmente, voltando à linha média superficialmente no nível da base da falange média, usualmente ao longo do trajeto do ligamento de Grayson (ligamento volar aos nervos digitais). Esse tipo de acometimento geralmente circunda e desloca o feixe neurovascular central e volarmente e produz contratura em flexão das articulações metacarpofalangianas e interfalangianas proximais.
Figura 6: Representação esquemática das formas mais comuns de acometimento da doença de Dupuytren: pré-tendínea, central e espiral, onde há maior risco de acometimento do feixe neurovascular (seta). Modificado de https://radsource.us/dupuytrens-disease/.
Outras formas menos frequentes de acometimento são:
Natatória – acometendo os ligamentos natatórios. Se o acometimento for isolado não causaria contratura em flexão e nem envolvimento dos feixes neurovasculares, mas pode haver associação com outros tipos.
Lateral – acometimento ao longo dos folhetos laterais digitais, podendo causar contratura em flexão das articulações interfalangianas proximais.
Retrovascular – acomete a gordura ao longo das falanges proximal e média dorsal ao feixe neurovascular, podendo causar contratura em flexão das articulações interfalangianas proximais e deslocamento de vasos e nervos.
A melhor pista para o cirurgião do risco de acometimento neurovascular é a presença de contratura em flexão, por isso essa é uma informação fundamental que deve constar nos relatórios.
Existem também fatores de risco em relação à maior gravidade da doença:
História familiar positiva
Alta ingesta alcoólica
Trabalho com uso excessivo das mãos
Diabetes mellitus
Fumo
Síndrome do túnel do carpo
Idade de início < 35 anos
Sexo masculino
Capsulite adesiva
Artrite reumatoide
Lesões prévias na mão
A doença de Dupuytren apresenta de forma simplificada 3 graus bem estabelecidos:
Figura 7: Graus da doença de Dupuytren: grau I – nódulo ou banda espessada na região palmar; grau II – limitação da extensão do(s) dedo (s); grau III – contratura em flexão. Modificado de https://www.local-physio.co.uk/articles/hand-pain/dupuytrens-disease/.
Foram propostas algumas classificações da doença de Dupuytren baseadas na progressão da doença, sendo a mais conhecida descrita por Tubiana em 1968 que quantifica o grau da contratura com o uso de um goniômetro. As diversas classificações podem ser vistas em detalhes na página CLASSIFICAÇÕES / PUNHO & MÃO.
Os principais diagnósticos diferenciais da doença de Dupuytren dependem da fase e forma de apresentação da doença.
No caso de nódulo palpável, os potenciais diagnósticos seriam cistos epidermoides ou ganglions/ cistos sinoviais de bainha tendínea, nódulos reumatoides, neurofibromas, tumor tenossinovial de células gigantes e tenossinovite estenosante.
Os nódulos reumatoides tendem a ocorrer na face dorsal das mãos e dedos, têm tamanhos variáveis e geralmente acometem pacientes com doença prolongada, com os achados típicos da doença de base.
No caso de a apresentação inicial ser a limitação da extensão e contratura em flexão, entrariam no diagnóstico diferencial deformidades por mal união de fraturas, “dedo em gatilho” da tenossinovite estenosante que pode esgtar associada a espessamento da polia A1, tendinose hipertrófica limitando os movimentos e doenças inflamatórias que cursam com deformidades dos dedos, como artrite reumatoide, esclerodermia, artrites soronegativas e artropatia diabética (“mão diabética ou quiroartropatia diabética).
Importante ressaltar que a doença de Dupuytren pode coexistir com a tenossinovite estenosante no mesmo dedo ou em dedos diferentes, sendo que a tenossinovite estenosante costuma ser mais comum no polegar e no 4º dedo.
Apesar da progressão da doença ser comum, muitos pacientes não evoluem para contratura, por isso o tratamento inicial tende a ser conservador.
Os casos sintomáticos mais leves podem ser apenas observados e quando há limitação funcional uma das opções disponíveis seria a injeção local de colagenase (“fasciotomia enzimática”) e abordagem percutânea minimamente invasiva guiada por ultrassonografia para os casos iniciais. Nos casos mais avançados com progressão da limitação funcional geralmente se utiliza como parâmetro a contratura em flexão > 30° da articulação metacarpofalangiana e > 15° da articulação interfalangiana proximal para indicação do tratamento cirúrgico através da fasciectomia parcial ou subtotal para correção da contratura em flexão (figura 8). As extensas ressecções radicais realizadas no passado provaram não só não serem curativas como acarretavam alta morbidade, dando-se preferência atualmente a ressecções mais limitadas ou segmentares.
Figura 8 (a-b): Imagens de outro paciente com doença de Dupuytren mostrando a contratura em flexão (setas em 8a) e o resultado após fasciotomia (8b), Modificado de POL PRZEGL CHIR 2023: 95 (6): 53-61.
Porém, existe alto risco de recorrência após tratamento, estimada em cerca de 30% em 5 anos e 50% em 10 anos porque a fasciectomia não altera o curso natural da doença de base. A recorrência costuma ser mais frequente quando a cirurgia é realizada na fase proliferativa da doença.
Uma possível complicação do tratamento cirúrgico é a lesão de estruturas neurovasculares, o que ocorre em cerca de 2 a 10% dos casos, sendo mais frequente no tipo em cordão espiral.
Os pacientes com doença de Dupuytren podem também apresentar fibromatose em outras partes do corpo, como no dorso dos dedos (almofada de Garrod), na região plantar (doença de Ledderhose) e no pênis (doença de Peyronie). Uma forma de apresentação mais precoce, com acometimento em diversas localizações e curso mais agressivo é conhecido como “diátese de Dupuytren”.
Leitura sugerida
Reyntiens P, Vanhoenacker FM, Jager T. Tardigrade and Manifold Sign: Two New Signs in Dupuytren's Disease. Semin Musculoskelet Radiol. 2023 Jun;27(3):381-392. doi: 10.1055/s-0043-1764287. Epub 2023 May 25. PMID: 37230137.
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Ruettermann M, Hermann RM, Khatib-Chahidi K, Werker PMN. Dupuytren's Disease-Etiology and Treatment. Dtsch Arztebl Int. 2021 Nov 19;118(46):781-788. doi: 10.3238/arztebl.m2021.0325. PMID: 34702442; PMCID: PMC8864671.
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