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Derrame articular no joelho

Paciente do sexo masculino, 60 anos, com diagnóstico de osteoartrite, apresentando dor com aumento do volume do joelho esquerdo. Solicitada ressonância magnética (RM) do joelho.


Figura 1 (a-b): Imagens de RM do joelho no plano coronal na ponderação DP com supressão de gordura, mais anterior (a) e no plano do corpo dos meniscos (b).


Figura 2: Imagem de RM do joelho no plano transversal na ponderação DP com supressão de gordura.



Descrição dos achados


Figura 1 (a-b)’: Imagens de RM do joelho no plano coronal na ponderação DP com supressão de gordura, mais anterior (1a) mostrando distensão das porções medial e lateral do recesso suprapatelar (setas azuis) e no plano do corpo dos meniscos (1b) mostrando o menisco medial extruso, degenerado e roto (seta branca). com acentuado afilamento das cartilagens no compartimento medial e edema ósseo subcondral no platô tibial medial (seta vermelha).


Figura 2’: Imagem de RM do joelho no plano transversal na ponderação DP com supressão de gordura mostrando distensão das porções medial e lateral do recesso suprapatelar (setas azuis).


Figura 3 (a-b)’: Imagens de RM do joelho no plano sagital nas ponderações DP com supressão de gordura e T2, em situação mais lateral (3a) e na linha média (3b) mostrando que o acúmulo de líquido é maior na porção lateral do recesso suprapatelar (setas azuis), mas também pode ser identificado na linha média (setas brancas), com extensão ao espaço retropatelar (setas amarelas).



Discussão


A osteoartrite do joelho é uma doença articular complexa extremamente prevalente na população e é a principal causa de impotência funcional no joelho. Caracteristicamente, na osteoartrite há destruição progressiva da cartilagem articular com remodelamento ósseo reparativo (osteofitos) e proliferação sinovial (sinovite).


Derrame articular com sinovite é um achado comum em pacientes com osteoartrite no joelho. Sua exata fisiopatologia não está ainda totalmente estabelecida, mas acredita-se que seja provavelmente resultante de anormalidades estruturais articulares (ósseas e cartilaginosas) e que exista possível relação entre a inflamação sinovial e a degradação das estruturas adjacentes. Fragmentos de matriz condral liberados na articulação podem funcionar como gatilho desencadeador de uma resposta imune e de alterações inflamatórias secundárias.

Alguns estudos identificaram que a associação entre derrame articular e alterações estruturais na articulação é mais consistente com a osteoartrite no compartimento femorotibial em comparação com o acometimento do compartimento patelotroclear.


O derrame articular é caracterizado pelo aumento anormal do líquido articular que, embora não seja específico de nenhuma desordem articular em particular, está associado a uma variedade de situações, como osteoartrite, inflamação, infecção e trauma.


Mas, como definir o que seria o aumento anormal, já que usualmente existe uma pequena quantidade de líquido articular fisiológico?


A avaliação da presença de derrame articular já começa pela inspeção no exame físico quando pode ser notado aumento do volume do joelho (figura 4).


Figura 4: Fotografia de paciente com derrame articular no joelho direito (seta), em que já é possível desconfiar pelo aumento do volume, principalmente quando é possível comparar com o lado esquerdo normal.


Pela palpação é possível sentir uma distensão no plano da linha articular, que pode ser confirmada pela execução de testes específicos, como o teste clínico do toque ou flutuação: com o joelho estendido o examinador com uma mão empurra para baixo os tecidos moles da região suprapatelar, mantendo a pressão, o que tende a mover o excesso de líquido inferiormente. Depois, com a outra mão, faz o mesmo movimento, só que na direção inversa, empurrando os tecidos moles inferiores à patela superiormente. Com um dedo da mão localizada acima da patela, ainda mantendo a pressão, empurra a patela em direção à mesa. Quando há derrame, o examinador tem a sensação de a patela estar flutuando (veja o vídeo).



Entretanto, além do exame físico apresentar considerável variabilidade interobservador e baixa confiabilidade, principalmente quando comparado a examinadores com diferentes níveis de experiência, é mais acurado nos casos de derrame articular mais volumoso, sendo os exames de imagem importantes para a detecção de derrame articular pequeno e na diferenciação entre derrame moderado e volumoso, nem sempre fácil no exame físico.


A distensão do recesso suprapatelar já pode ser identificada nas radiografias com a identificação da perda do plano adiposo normal posterior ao tendão quadríceps (figura 5). Quando há derrame articular há aumento da densidade nesta região e o tendão quadríceps pode até estar deslocado anteriormente (figura 6).


Figura 5: Radiografia do joelho de outro paciente na incidência em perfil mostrando o coxim adiposo posterior ao tendão quadríceps (seta amarela) identificado com área com densidade de gordura (seta branca).


Figura 6: RM no plano sagital em sequência sensível a líquido (6a) e radiografia na incidência em perfil do mesmo paciente mostrando o derrame articular (setas) na RM com sinalo elevado e que no RX se manifesta como densificação da gordura entre o tendão quadríceps e o fêmur. Modificado de Magn Reson Imaging Clin N Am. 2019 Nov;27(4):685-699.


Já foram descritos vários critérios para detecção de derrame articular na ultrassonografia (USG) e na RM e realizados diversos estudos cadavéricos comparando a administração de um volume conhecido de líquido na articulação correlacionando com o aspecto nas imagens na USG e na RM.


O derrame articular no joelho apresenta distribuição relativamente previsível, sendo detectado primordialmente no recesso suprapatelar, que costuma ser subdividido em regiões onde é feita a análise do derrame articular. O plano sagital é o melhor para avaliar o derrame articular na linha média e a extensão do líquido para a região central retropatelar. A extensão para os recessos medial e lateral pode ser vista no plano sagital, mas é mais bem avaliada no plano transversal (figura 7). Alguns autores denominam a extensão medial e lateral do recesso suprapatelar como distensão das regiões parapatelar medial e lateral.


Figura 7 (a-b): Representação esquemática do joelho nos planos sagital (7a) e transversal (7b) mostrando a distribuição do derrame articular (em azul) nos diversos recessos articulares.


Na USG o líquido articular costuma ser identificado quando apresenta espessura > 2 mm e o limite mais aceito como indicativo de derrame articular seria quando a espessura é > 4 mm. Os locais padrão de pesquisa de derrame articular pela USG estão ilustrados na figura 8:

Figura 8: Representação dos locais padrão de pesquisa de derrame articular na USG nos planos longitudinal (1 a 3) e transversal (4 e 5): região suprapatelar na linha média no plano longitudinal (1), regiões supra/parapatelar medial (2 e 4) e lateral (3 e 6) nos planos longitudinal (2 e 3) e transversal (4 e 5).



Na figura 9 vemos um exemplo de pequena distensão do recesso suprapatelar identificado com o transdutor no plano longitudinal.

Figura 9: Imagem de USG no plano sagital mostrando líquido articular (L) identificado entre o tendão quadríceps e o fêmur.



Quando o paciente está em posição supina, os recessos medial e, sobretudo, lateral são os que ficam em situação mais dependente, o que justifica a distribuição preferencial do líquido articular para o compartimento lateral. Embora possa haver distensão articular apenas na linha média, dificilmente um paciente com derrame articular irá apresentar distensão do recesso medial sem distensão do recesso lateral.


Embora a administração de 1 ml de líquido intra-articular já possa ser detectado na RM, a detecção na USG só costuma ser possível após a administração de pelo menos 5 a 10 ml de líquido.

Quando administrado 5 ml de líquido em cadáveres, usando como critério para derrame articular a espessura > 4 mm, a detecção de líquido só foi possível em 14% dos joelhos. Após administração de 10 ml, a identificação foi possível na avaliação no plano transversal em cerca de 70% e no plano longitudinal em 50% dos joelhos, o que indica que a detecção de menores quantidades de líquido pela USG seria melhor usando o plano transversal.


Na RM, trabalhos utilizando a administração progressiva de líquido em cadáveres permitiu a análise da distribuição do líquido articular e a correlação entre o volume administrado e a espessura dos diversos recessos. Ao se administrar de 3 ml de líquido, inicialmente ele fica coletado no recesso suprapatelar com 2 mm de espessura, com pequena quantidade de líquido podendo ser observada nos recessos posteriores aos meniscos (principalmente medial) e aos ligamentos cruzados. Com 4 ml de líquido, já é possível notar líquido no recesso suprapatelar com 4 mm de espessura na linha média e com 10 a 12,5 mm de largura na porção lateral. Com administração de 15 ml o líquido apresentou 16 a 20 mm de espessura no plano sagital e já foi possível identificar distensão dos recessos na gordura de Hoffa.


Para melhor entendimento dos recessos e bolsas do joelho visite a página ANATOMIA – JOELHO.




A exata quantidade de líquido articular fisiológico ainda não foi completamente estabelecida, assim como a partir de qual volume passaria a ter relevância clínica. Trabalhos mais antigos avaliaram a presença de líquido articular em voluntários assintomáticos e saudáveis, sem queixas ou passado de cirurgia ou lesões no joelho. Os autores identificaram nos exames de RM no plano sagital destes indivíduos líquido no recesso suprapatelar com espessura de até 10 mm e extensão longitudinal de até 40 mm. Também foi detectado líquido nas regiões parapatelares e entre o fêmur distal e a tíbia proximal com espessura inferior a 10 mm.


Como existe comunicação entre a cavidade articular e o recesso do gastrocnêmio medial / semimembranoso na maioria das pessoas, foi encontrado distensão deste recesso também com menos de 10 mm de diâmetro.


Um dado observado por alguns autores seria que pode haver pequeno aumento do líquido articular logo após atividade física, como corrida, principalmente em atletas não treinados.


O derrame articular costuma ser categorizado em pequeno, moderado ou volumoso, geralmente de forma subjetiva. Numa tentativa de padronização, foi criado o MRI Osteoarthritis Knee Score (MOAKS) efusion-synovitis score, uma forma de gradação semiquantitativa desenvolvida pela Whole Organ Magnetic Resonance Imaging Score (WORMS) e pelo Boston Leeds Osteoarthritis Knee Score (BLOKS), que tem demosntrado boa a excelente confiabilidade. Nesse sistema, o líquido articular é subdividido em 4 graus, de acordo com a tabela abaixo:



Pontos relevantes deste caso:


O derrame articular é um achado comum no joelho, assim como o líquido fisiológico no interior da articulação e no recesso do gastrocnêmio medial-semimembranoso. Portanto, devemos separar a distensão fisiológica do derrame articular de fato. Apesar de não haver um valor absoluto e preciso para diferenciar, alguns critérios podem ser utilizados:


  • Derrame articular costuma estar associado a algum desarranjo articular, como lesão condral, fratura, osteoartrite, inflamação, infecção, etc. Portanto, discreta quantidade de líquido sem contexto clínico provavelmente é fisiológico.

  • Indivíduos assintomáticos costumam apresentar líquido nos recessos articulares com espessura inferior a 4 mm, valor que pode ser adotado como normal. Valores entre 5 e 10 mm vão depender do contexto clínico.

  • O recesso lateral é onde o líquido articular predomina, então dificilmente líquido apenas na linha média e/ou no recesso medial sem ter líquido no recesso lateral poderia ser considerado como derrame articular.

  • Trabalhos com RM identificaram líquido nos recessos articulares e no recesso do gastrocnêmio medial-semimembranoso em voluntários assintomáticos com espessura inferior a 10 mm, valor que poderia ser adotado como um parâmetro objetivo para derrame articular.

  • O líquido articular pode ser quantificado de forma semiquantitativa, sem esquecer de levar em conta o contexto clínico:


Normal - ausência de líquido articular, líquido laminar ou líquido distendendo os recessos articulares com espessura de até 10 mm na RM.


Derrame articular pequeno – líquido no recesso suprapatelar que se estende ao espaço retropatelar, sem distensão da cápula ou convexidade evidente.


Derrame articular moderado – líquido no recesso suprapatelar que apresenta convexidade evidente.


Derrame articular volumoso – há distensão evidente da cápsula articular.


O termo “mínimo derrame articular”, assim como “mínimo cisto de Baker” devem ser evitados.


Para melhor entendimento da fisiopatologia e relação entre o cisto de Baker e o derrame articular assista ao vídeo:





Leitura sugerida


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